CIDADANIA

Peritos argentinos apontam erros primários em análise de ossadas da ditadura no Brasil

Após 15 dias de trabalho em São Paulo, organização acusa equipe da Unicamp de deixar de promover trabalho simples que poderia ter levado à identificação de vítimas do regime
Publicado em 19/04/2013, 18:25
Última atualização às 19:23
  
Peritos argentinos apontam erros primários em análise de ossadas da ditadura no Brasil
23 anos após a abertura da vala, as famílias ainda não conseguiram identificar os parentes (Foto: arquivo CâmaraSP)
São Paulo – O grupo de peritos argentinos contratado para analisar as ossadas de vítimas da ditadura retiradas do Cemitério Dom Bosco, em Perus, na zona Oste de São Paulo, concluiu que foram cometidos erros primários pela equipe da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) responsável por fazer a identificação das vítimas ao longo da década de 1990.
Durante audiência pública hoje (19) na Assembleia Legislativa, os peritos da Equipe de Antropologia Forense – que na Argentina já identificaram quase 600 ossadas – citaram como principais equívocos o fato de os ossos não haverem sido limpos, e de sequer terem sido estimadas altura e sexo do material encontrado em uma vala comum durante a gestão municipal de Luiza Erundina, em setembro de 1990.
“As fichas não são confiáveis e a metodologia utilizada, o estudo que foi feito, era todo equivocado. Os procedimentos todos mostram o tratamento adotado por países em regimes totalitários”, declarou Patrícia Bernardi, integrante do grupo argentino, à Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva. Ela explicou que o grupo recebeu 21 bolsas contendo ossadas avaliadas pela Unicamp, mas dentro delas havia 22 cadáveres. “O erro começa aí”, lamentou. 
A organização da sociedade civil criada em 1984 em Buenos Aires, após a ditadura (1976-1983) naquele país, foi contratada pela Associação Brasileira de Anistiados Políticos (Abap) em parceria com o Ministério Público Federal, para tentar identificar os restos de Hiroaki Torigoe, que morreu em 1972, aos 27 anos. Segundo testemunhos de presos políticos, ele foi morto nas dependências do DOI-Codi, um dos principais centros de repressão, em São Paulo. Um relatório da Marinha informa que o óbito se deu em tiroteio com forças de segurança.
Durante 15 dias, a Equipe de Antropologia Forense conseguiu um avanço que não havia sido visto em 23 anos. Entre as 22 ossadas, a Unicamp não havia feito o chamado “protocolo básico”, de acordo com os peritos argentinos. A regra é excluir o máximo de ossadas possível para submeter a exame genético apenas aquilo que não pôde ser eliminado. Havia quatro corpos de mulheres no material apresentado ao grupo, que se surpreendeu também pelo fato de não terem sido tirados da avaliação ossos sem marcas de tiros e de tipos físicos que claramente não correspondiam às características da vítima. 
“Isso não é falta de conhecimento da Unicamp. Foi uma decisão política. Isso demonstra que todo o aparato foi usado para não resolver nada desse problema”, acusou o presidente da comissão estadual, deputado Adriano Diogo (PT-SP). De imediato, os especialistas argentinos reduziram a amostra a cinco ossadas. Delas, uma será submetida a DNA. 

Histórico 

As 1.049 ossadas encontradas em sacos plásticos e sem identificação em 1990 chegaram a motivar a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara Municipal. A CPI concluiu que ao menos 19 corpos de mortos e desaparecidos políticos foram enterrados ali. Em 1969, o então prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, e o chefe do Instituto Médico Legal, Harry Shibata, encomendaram a uma empresa dos Estados Unidos dois crematórios a serem instalados no Cemitério Dom Bosco. Mas o representante da empresa estranhou a encomenda de um serviço tão caro em um local periférico e decidiu vetar a aquisição. A essa altura, as ossadas de vítimas da ditadura já haviam sido desenterradas à espera da cremação, e a decisão foi abrir uma vala para desaparecer com as provas.
Em dezembro de 1990, após a abertura da vala, a prefeitura da capital firmou um acordo com a Unicamp para que as ossadas fossem periciadas. Após uma primeira leva de identificações, porém, o trabalho não teve êxito, e em 1997 a equipe da universidade fez um laudo final sobre o trabalho de perícia e encaminhou as ossadas para o Instituto Oscar Freire, do Departamento de Medicina Legal da USP. Depois disso, o material chegou a ser levado a exames na Polícia Federal, que tampouco teve êxito, e agora está de volta ao cemitério de Perus. “Em 23 anos, as ossadas de Perus passaram por duas instituições renomadas e não houve nenhuma identificação. Isso mostra o descaso por parte do poder público”, afirmou Maria Amélia Teles, a Amelinha, que participou de grupos de resistência à ditadura.
Em 2010, o Ministério Público Federal chegou a obter vitória em ação que obrigava os governos federal e do estado a proceder à identificação das ossadas. Mas, passados três anos, nada havia avançado, até a última semana, quando a gestão municipal de Fernando Haddad (PT) fechou parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República para retomar os trabalhos. 
Esta será a ação prioritária do acordo, que prevê ainda a localização de restos mortais de vítimas e a construção de memoriais em homenagens aos desaparecidos políticos. “A iniciativa da prefeitura e do governo federal é muito importante, principalmente no apoio financeiro para poder custear a identificação, mas também seria interessante ter o apoio do governo do estado e definir o trabalho, não ficar só na promessa”, disse a presidenta da Associação Brasileira de Anistiados Políticos, Alexandrina Cristensen.

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