Entrevista - Importantíssimo - Confira




Prof. Nelson Gomes, da Unb, aponta graves deficiências no sistema educacional brasileiro
O baixo nível do ensino nacional e sua atual deterioração são temas freqüentemente tratados pela mídia do País.  E as conseqüências desse candente problema acabam afetando a vida da maioria de nossa população.



Atento às questões importantes da atualidade, Catolicismo julgou oportuno abordar tal problema, e para isso entrevistou o Prof. Dr. Nelson Gonçalves Gomes, docente (especialmente de Lógica) na Universidade de Brasília desde 1976. O entrevistado indica, com propriedade, sérios defeitos na educação nacional da atualidade. Entretanto, nossa revista não perfilha inteiramente algumas das posições assumidas pelo Prof. Nelson Gomes na presente entrevista, como, por exemplo, sua avaliação da importância de Marx e do marxismo na História da Filosofia.



curriculum vitae desse mestre é extenso, mas sobretudo respeitável por seu alto valor científico. Destacamos que o Prof. Nelson Gomes fez curso de graduação de Filosofia na Pontifícia Universidade de São Paulo e de mestrado em Filosofia (especialização em Lógica) na Universidade de São Paulo. Foi docente de História da Filosofia no Departamento de Psicologia da Universidade de São Paulo, campusde Ribeirão Preto (SP), tendo feito pós-doutorado em Filosofia na Universidade de Munique (Alemanha) e no  London School of Economics (Departamento de Filosofia) (Inglaterra); e pós-doutorado na Universidade de Oxford (Inglaterra). É também membro do Comitê Assessor de Filosofia do Conselho Nacional de Desenvolvimento científico e tecnológico (CNpq).



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Catolicismo – Quais as tendências mais importantes no desenvolvimento do ensino superior brasileiro, nos últimos anos?
Prof. Nelson Gomes
Prof. Nelson Gomes
 – Durante os anos 60, em todo o mundo, houve uma tendência à expansão do ensino superior. Novas universidades foram fundadas, muitos docentes foram contratados, inúmeras vagas foram criadas. Naquela época, havia otimismo econômico e uma expectativa de aumento populacional que acabou por não se cumprir. No Brasil, a tendência foi a mesma. Entre nós, porém, a expansão do ensino superior aconteceu sobretudo em virtude do crescimento do ensino particular. Desde a década de 60, o número de escolas superiores privadas vem crescendo fortemente, em todo o território nacional. Paralelamente a isso, ao longo de toda a década de 90, o Estado vem investindo cada vez menos em educação superior.



Catolicismo – Tal desenvolvimento, em suas linhas mestras, parece-lhe bom? Ou seria passível de censuras?
Prof. Nelson Gomes – Esse desenvolvimento envolve problemas, porquanto o setor privado não tem o mesmo compromisso com a pesquisa e com a formação de docentes-doutores que tem o setor público. Apesar de todos os pesares, as universidades públicas ainda fazem algo pela formação de pessoal e apresentam alguma pesquisa. Nas escolas superiores particulares, exceto em alguns casos, isso não ocorre em dimensões significativas. O ensino superior público é caro e, de fato, abriga privilégios inaceitáveis. Hoje, filhos de famílias ricas, que podem pagar por bons cursinhos, têm acesso à universidade pública, enquanto que os pobres estudam à noite, em faculdades particulares. Não obstante, esses problemas devem ser sanados, através de uma política universitária adequada. Não é retirando-se da área e abandonando-a aos particulares que o Estado brasileiro irá resolver as distorções ora apontadas. O Estado dispõe-se a financiar a compra de equipamentos para as universidades, mas permite que os salários docentes se deteriorem de forma drástica. Ora, não adianta adquirir um novo acelerador de partículas se quem o usa vai empregá-lo mal, por estar profissionalmente desmotivado. O resultado dessa situação é uma degeneração de todo o sistema.
Catolicismo – Devido à extensa penetração do chamado “progressismo católico” em ambientes católicos atuais, é necessário preliminarmente distinguir o pensamento católico tradicional e autêntico, das posições “progressistas”. Feita essa distinção, cabe a pergunta: o pensamento católico tradicional e autêntico exerce algum papel importante na vida acadêmica brasileira de hoje?
Prof. Nelson Gomes
 – Obviamente, a preocupação social é legítima, em qualquer caso. A questão é que ela por vezes ganha formas que geram novos problemas, sem resolver os antigos. Nas décadas recentes, a Igreja Católica no Brasil assumiu uma linha de ativismo social. Na formação seminarística, o latim e muito dos estudos clássicos foram abandonados, em favor de um pastoralismo freqüentemente politizado. Com isso, o jovem clero não mais tem acesso à milenar cultura eclesiástica, o que o leva a perder suas raízes. Surgiu a teologia da libertação, com um apelo libertário de cunho pretensamente bíblico e profético. Entretanto, não há diálogo racional com esse profetismo, que se transforma numa espécie de ideologia, a ser aceita ou recusada, sem argumentos. A assim-chamada filosofia da libertação vai pelo mesmo caminho, embora empregue outros métodos. Em alguns ambientes acadêmicos, há interesse por essas manifestações, mas não há verdadeiro debate de idéias em torno delas, até mesmo porque não se pode discutir com pretensos profetas. Os liberacionistas denunciam tudo e todos, em tom apocalíptico, mas não cultivam a sobriedade argumentativa que a vida acadêmica exige. Eu diria que o pensamento cristão está fracamente presente nas universidades brasileiras atuais. Lamento esse desenvolvimento! As universidades nasceram no seio da Igreja, ao longo da Baixa Idade Média. Durante séculos, a contribuição da Igreja à vida acadêmica foi notável. É pena que, no Brasil, a vida intelectual do clero esteja reduzida a proporções tão modestas. Mas, a bem da verdade, um ponto deve ser afirmado e enfatizado: há exceções ao que estou dizendo. Exceções, porém, confirmam a regra, ao invés de eliminá-la.



Catolicismo –  O que o Sr. diz sobre o marxismo no ensino universitário nacional? Pode-se admitir um recuo – real ou aparente - dessa influência nas gerações mais jovens de professores universitários brasileiros?
Prof. Nelson Gomes – A queda do Muro de Berlim e da Cortina de Ferro (1989/91) acarretou um decréscimo de interesse pelo marxismo, em todo o mundo. No Brasil, como em muitos outros lugares, predominou um marxismo acadêmico pouco elaborado, mesmo porque não se entende Marx sem estudar o idealismo alemão, vale dizer, Kant, Fichte e Hegel. Marx foi um filósofo complexo, cujo estudo sério demanda muito esforço. Presentemente, porém, está acontecendo uma retomada de estudos sobre Marx em alguns círculos filosoficamente importantes. Marx pertence à História da Filosofia. Como tal, ele é parte de um vasto fluxo de idéias que chega até nós, vindo do século XIX. Como acadêmico, eu devo estar preparado para analisar seriamente o marxismo e com ele debater, à base de bons argumentos. Esse tipo de discussão é um progresso, relativamente ao marxismo pobre e dogmático, tão encontradiço nas universidades brasileiras até alguns anos atrás. Os filósofos sofisticados que se dedicam a Marx não aprovam essa instrumentalização ideológica do seu autor. Independentemente de tudo isso porém, nos dias de hoje, o estudante brasileiro está preocupado com o seu futuro emprego. O interesse pela política diminuiu acentuadamente. De novo, essa tendência é mundial.



Catolicismo – Que juízo crítico seria cabível fazer, sobre as linhas mestras da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação?
Prof. Nelson Gomes – Há muitas opiniões sobre isso, nas universidades. Limito a minha manifestação a dois pontos. O primeiro é o fim dos currículos mínimos centralmente estabelecidos, substituídos que foram por diretrizes curriculares. O segundo é o forte aumento da carga de disciplinas pedagógicas, para alunos que se dedicarão ao magistério. As diretrizes curriculares ainda não foram bem entendidas por quem quer que seja, o que leva as pessoas a hesitar, quando se trata de modificações nos antigos currículos mínimos. O aumento da carga de disciplinas pedagógicas, por outro lado, é desnecessariamente grande e injustificado. Ele prejudica os cursos de licenciatura, ao invés de ajudá-los.



Catolicismo – Como o Sr. vê a atual tendência pedagógica no País, de reduzir o quanto possível as matérias de formação mais geral do homem enquanto homem, como por exemplo a Filosofia e a História, e de priorizar disciplinas de caráter técnico-profissionalizante?
Prof. Nelson Gomes
 – Mais uma vez, essa é uma lamentável tendência mundial. As pessoas querem aprender logo aquilo que vão aplicar profissionalmente, para competir e ganhar dinheiro. O resultado é a barbarização do ensino e a vulgarização de rapazes e moças que passam pelas escolas sem aprender a refletir sobre a vida que vão ter de enfrentar e sem desenvolver repertórios comportamentais adequados, em termos de valores humanos. A maioria das pessoas sai da escola sem nunca ter lido um livro e também sem o hábito de ler jornais. Poucos são os estudantes brasileiros que deixam a escola falando uma língua estrangeira. Mal formados, sem reflexão, sem valores, sem cultura, os egressos da escola vão integrar-se na massa amorfa daqueles que têm no futebol o seu grande interesse e principal assunto de conversa. De alguém assim não se pode esperar consciência de cidadania. Não obstante, a culpa não é das pessoas que passam pelas escolas, mas sim das escolas mesmas. Elas transformaram-se em meros centros de instrução de duvidosa qualidade, em detrimento da educação, que deve envolver a formação integral da personalidade humana. As escolas se barbarizaram, num longo processo de degeneração física e pedagógica. A omissão e o desinteresse dos governos e a degradação das condições salariais dos professores contribuíram decisivamente para tudo isso. A culpa maior é do Poder Público.



Catolicismo – Parece-lhe aconselhável substituir o sistema seriado pelo sistema de ciclos no 1o e 2o graus, como está ocorrendo em vários estados da Federação e em instituições municipais de ensino?
Prof. Nelson Gomes – Confesso que não conheço o problema em pormenor, de modo que prefiro fazer apenas alguns comentários gerais. Na Inglaterra, numa classe, há sempre alunos de uma mesma idade: classe dos alunos com doze anos, com treze etc. No Brasil, a tradição é de cursos seriados. É verdade que a repetência assumiu proporções calamitosas, mas cabe a pergunta de se a progressão automática não será uma solução meramente administrativa. A verdade, porém, é que o Brasil está cuidando muito mal do ensino, em todos os níveis. Os ingleses dizem que a educação de um homem começa cem anos antes do seu nascimento. Isso ajuda a entender o nosso problema. Em meados do século XVIII, com a expulsão dos jesuítas, foi desarticulado um significativo sistema educacional pacientemente construído ao longo de duzentos anos, deixando índios e caboclos na ignorância. Esse terrível dano que o Marquês de Pombal nos causou faz-se sentir até hoje. Tanto em Portugal quanto no Brasil o ensino necessitou de mais de um século para iniciar sua recuperação. Esse tempo perdido, infelizmente, é irreversível. No caso das universidades a história não foi melhor. A primeira universidade neste continente foi fundada em São Domingos, em 1532. Em 1540 havia universidade no México, em 1555 no Peru, em 1613 na Argentina, em 1636 nos atuais EE.UU., em 1648 na Bolívia. Graças ao antigo monopólio de Coimbra, o Brasil conheceu tão-somente algumas poucas faculdades isoladas, ao longo do século XIX, sendo que nossa primeira universidade (a atual UFRJ) é de 1920. A USP é de 1934. Essas diferenças são terríveis e mostram séculos de ensino irremediavelmente perdidos. Temos de fazer hoje o que já deveria ter sido feito há muito tempo. Os frutos, porém, só serão colhidos no futuro. Se nos dedicarmos mais e melhor à educação, nos dias de hoje, talvez o Brasil seja um país mais tolerável, dentro de cem anos.

Fonte: www.cotolicismo.com.br

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